Por: Anna Francischini / Edição: Simone Milach
Agricultora familiar transforma propriedade rural em um refúgio de turismo rural
Um refúgio de Mata Atlântica em meio à selva de pedras
No extremo sul da capital paulista, distante da selva de concreto, encontra-se o bairro de Parelheiros, um tesouro ambiental encravado entre as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Bororé-Colônia e Capivari-Monos. Essa região, rica em nascentes, córregos e ribeirões, desempenha um papel crucial no abastecimento de água da cidade, drenando para as represas Guarapiranga e Billings, responsáveis por um terço do abastecimento de São Paulo.
Parelheiros compreende remanescentes importantes de Mata Atlântica, mantendo grande parte de vegetação nativa do bioma, com biodiversidade preservada e área de produção agrícola. Acolhe também pessoas, que decidiram trocar a vida corrida para viver mais próximo da natureza, e que incentivam, por meio do turismo rural, que outros aproveitem um pouco desse patrimônio natural. A agricultura familiar sustentável é a chave para esse equilíbrio entre produção e preservação.
Parelheiros, com seus remanescentes de Mata Atlântica, abriga uma rica biodiversidade e áreas de produção agrícola. É também lar de pessoas que optaram por uma vida mais próxima da natureza e que, por meio do agroturismo, convidam outros a desfrutar desse paraíso natural.
Nossa Fazenda
Essa é a história de Valéria Maria Macorati, 55 anos, proprietária do imóvel rural “Nossa Fazenda”, localizado em Parelheiros. A “Nossa Fazenda” promove este tipo de turismo, atuando com a valorização e preservação do patrimônio natural e cultural enquanto promove a conscientização ambiental e o bem-estar das comunidades locais.
Em um percurso de 40 km, saindo de São Paulo, chega-se ao sítio, que integra o projeto de agroturismo “Acolhendo em Parelheiros”, projeto desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comuntário (Ibeac) em parceria com a Associação de Agricultores Acolhida na Colônia.
O espaço de 4 mil metros², Valéria divide entre as suas plantações e animais, como cães, gatos, coelhos, galinhas, gansos e jumentos. Para recepcionar quem chega, uma bananeira e um pé de mamona. A Nossa Fazenda possui duas casas, uma para morar e outra para os hóspedes. No trajeto pelo imóvel, o visitante se depara com peculiaridades como banheiro seco, biodigestor, e uma parte da propriedade tomada por Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) como a Ora Pro-Nóbis.
Além da agricultura familiar sustentável, o sítio oferece o turismo de base rural, com atividades como minitrilha, visita à horta com análise da técnica de mandala, plantio, oficina de pintura com tinta de terra, estudo do meio, e reflexões acerca das diferenças entre o urbano e rural.
Enquanto anda pela propriedade Valéria ressalta que é “uma mulher completamente ligada à terra” e conta um pouco sobre como se transformou em uma guia da natureza.
Como tudo começou?
Em 2007, eu e a Vânia, minha companheira, decidimos nos mudar para região, para cuidar dos nossos 15 cachorros de rua. Começamos na agricultura e amigos da região começaram a pedir algumas verduras, o sucesso foi grande. Fazendo cursos de agricultura orgânica e agricultura biodinâmica foi que descobri como os alimentos eram produzidos a partir da Revolução Verde, meu mundo caiu e vi que tinha bastante para aprender.
E como o turismo rural se tornou uma realidade no sítio?
Em 2012 fui contatada para receber os alunos de uma escola de São Paulo para conhecer a propriedade. Recebíamos as crianças com café da manhã, almoço e lanche. Com o aumento do número de visitantes, e por meio de uma rede de contatos, despertamos para a ideia de que Parelheiros tinha potencial para receber um projeto parecido com o “Acolhida na Colônia”, de Santa Catarina. Este projeto do sul emprestava dinheiro a proprietários que estavam abandonando suas terras para que desenvolvessem o turismo rural nos imóveis.
E como chegou até São Paulo?
Essa experiência mostrou a nós, agricultores de São Paulo, como podemos revolucionar a vida dos agricultores familiares. Parelheiros se tornou um polo de ecoturismo, o que contribui muito para o trabalho de preservação ambiental. Assim, a ideia não é torná-los donos de resorts, mas proporcionar uma renda extra para sustento. Para fazer parte da Acolhida em São Paulo, é necessário ser agricultor familiar orgânico, que não utiliza agrotóxicos e que tenha uma consciência ambiental.
Todos na região de Parelheiros têm essa consciência?
Parelheiros está localizado dentro de uma APA. Fazendo parte do conselho gestor, que administra a nossa região, a gente entendia que seríamos os protetores, mas estamos vivendo em meio ao descaso das autoridades públicas.
E sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs)?
Por aqui também colocam alguém dentro dos terrenos, descobrem a documentação, e com isso, entram com usucapião. Cercam o lugar, cortam as árvores, constroem casas e colocam placas de “vende-se”. Outro problema está nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Tratam como se fossem lixo. São áreas de preservação permanente, e não posso cortar uma árvore a menos de tantos metros, mas despejam esgoto nos rios e desmatam as árvores que protegem essas águas. No final, parece o Rio Pinheiros.
Vendo tudo isso, compensa manter a floresta em pé?
Meu coração deseja preservar mais um lar na mata. Eu gostaria muito de ter mais dinheiro para poder comprar todas as propriedades e impedir mais desmatamento. Quando comprei essa, e fui fazer o CAR (Cadastro Ambiental Rural), a mulher falou: “Está ficando muito mais verde.” Eu disse que sim, já plantei mais de 100 árvores, Araucária, Ipê, Castanha do Maranhão.
Parelheiros tem uma característica única: é uma verdadeira Amazônia dentro da cidade de São Paulo. Se for destruída, afeta o clima da cidade e de outros lugares. Não haverá água para abastecimento, pois um quarto da água de São Paulo vem de Parelheiros, das represas Billings e Guarapiranga.