Por: Willian Oliveira / Edição: Julia Oliveira
Todos os dias, seo Geraldo acorda às 6 da manhã, toma o café feito por Dona Ormezinda, sua esposa, e começa as atividades do dia. Ele, assim, alimenta as galinhas, os porcos, ordenha as vacas e cuida das plantações. Um dos pioneiros na conquista do assentamento Varjão, hoje sente muito orgulho em dizer que têm a sua própria terra para viver e produzir. Mas apesar nem sempre foi assim. O caminho até o sonhado pedaço de terra foi marcado por muitas lutas e dificuldades.
A sua história começa muito longe de Goiás. Nasceu na Bahia, na pequena Sítio Grande. Com poucas oportunidades, na infância e juventude, trabalhou desde cedo em fazendas. A sua trajetória no centro-oeste começa em 1966 quando veio para Goiás, um Estado bastante rural à época. Viveu em Jataí e Caiapônia, à trabalho de grandes fazendeiros. Mas seo Geraldo sempre se questionava se algum dia conseguiria ter um pedaço de terra para chamar de seu, de nosso.
Prá toda vida
Entre idas e vindas no trabalho rural e com o sonho da terra, em 1970, encontrou aquela que seria a “companheira de vida e de luta”, Dona Ormezinda. Ela, além de trabalhar para fazendeiros, também compartilhava dos sonhos pela terra. Os dois se conheceram na pequena propriedade do pai de Dona Ormezinda. Ficaram trabalhando ali e em outras propriedades maiores. Começarem a conhecer e se envolver com mais força com os movimentos de luta pela terra.
Seo Geraldo sempre teve o espírito de liderança e, após muitos anos no trabalho para outras/os, resolveu que estava na hora de colocar em prática o desejo por terra. Assim, no ano de 1998, começa o planejamento para ocupar aquele que ficaria conhecido como o Assentamento Varjão. As batalhas não foram feitas do dia pra noite e por uma única mão. Ele se juntou com companheiros que tinham, em comum, o desejo de poder produzir sem pedir permissão a ninguém. Ormezinda Esmerindo, Zé Moura, Valdivino, Maria Aparecida, Ferrim, Vilmar, João Bosco e Otoniel foram os que se propuseram a andar pelo mesmo caminho.
Abdicando de tudo que tinham por um bem comum, todas/os formaram, em 1999, o acampamento “Rio Bonito”. Ficando na “lona”, conseguiram juntar 110 famílias, com cerca de 85 crianças. Por quase 7 meses, as principais lideranças do acampamento planejaram e estudaram e criaram uma diretoria que passou a reivindicar, junto com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), um grande latifúndio, no caso a fazenda Santa Marta de propriedade de José Narciso, terra herdada e quase inteiramente improdutiva. Essa seria ocupada para, assim, fazer valer o direito que todas/os têm à terra.
A grande disputa
Após meses, na “lona” e sendo vigiadas/os pela polícia, pois na época era quase um crime falar sobre reforma agrária, sobretudo na cidade de Caiapônia, que era basicamente formada por grandes latifúndios, os acampados partiram rumo a ocupação. No dia 1° de Maio de 2000, seo Geraldo e seus companheiros, com um machado, quebraram, com toda força, o cadeado que trancava a fazenda Santa Marta. As correntes voaram para todos os lados e, finalmente, conseguiram entrar na terra. Mas este era só o começo desse processo.
Na mesma noite, o fazendeiro ameaçou atropelar todo mundo, mas eles resistiram e logo depois polícia, advogados e outras autoridades vieram para negociar com a comissão da ocupação. Dias após, foi emitida uma liminar federal que os obrigava a sair da fazenda. De novo, à lona. Um dos momentos mais difíceis da caminhada: “passamos fome, frio e ouvíamos dos caminhoneiros que passavam pelo acampamento, gritos de “vai trabalhar, vagabundo!”, “parem de roubar terra!”.
Apesar do momento tenso, nunca passou pela cabeça de ninguém a ideia de desistir, conta seo Geraldo. Mesmo com as dificuldades, o acampamento se manteve unido até o final do ano de 1999, quando recebeu do Incra a resposta definitiva sobre a terra. A liminar foi concedida. Por fim, podiam retornar à fazenda e ocupar o latifúndio e desta vez, sem ameaças e sem policiais. Agora estava garantido o direito de plantar, produzir e criar animais. Em 2000, começam, de maneira oficial, a organização e a divisão das parcelas do assentamento.
A conquista da terra
O começo foi difícil, mas, no decorrer do ano, o novo assentamento foi recebendo recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e do Incra. Com estes recursos, foi possível o começo da produção das famílias e a construção das casas em cada parcela. Assim, quem sempre trabalhou para grandes latifundiários, sem poder usufruir de nada, agora tinha uma terra para chamar de sua e não precisaria mais pedir permissão para plantar. E foi assim que a renda foi melhorando.
Por ser uma grande propriedade, as 110 famílias que ocuparam a terra foram divididas em três glebas: Lagoa da Serra, Comunidade Alcalina e o Varjão, que recebeu este nome devido à grande quantidade de várzeas – terras úmidas – que existiam na área. Agora, com o apoio do Incra, ninguém corria mais o risco de voltar para debaixo da lona. Durante dois anos, todas as famílias foram se organizando, mas o ponto de virada para o assentamento, segundo o próprio seo Geraldo e outros moradores, foi o ano de 2003.
Assim, com apoio dos órgãos ligados à reforma agrária, o assentamento recebeu pontualmente os recursos “que tinha direito”, melhorando, assim, a renda de todos. Hoje, ele se orgulha de dizer que todas/os ali têm condições de ter um carro, de poder ter animais para criar e poder, finalmente, fazer de um pedaço de terra um lugar produtivo.
Apesar de considerar que realizou um sonho e se sentir em um pedacinho do céu, seo Geraldo vê com preocupação os movimentos políticos que ameaçam os movimentos sociais e à reforma agrária. Mas, como ele mesmo diz, “não podemos desanimar, a conjuntura é difícil, mas já passamos por momentos piores. Infelizmente, muitas vezes temos que sofrer para aprender a caminhar”. Para ele, mesmo com algumas dificuldades, o assentamento mantém viva a memória do processo que levou à conquista da terra.