Por: Willian Oliveira / Edição: Júlia Oliveira
O equilíbrio entre luta no campo e o conhecimento acadêmico
Durante muito tempo o ensino superior foi pouco acessível, sobretudo para a população do campo. Essa conjuntura se reflete nos números.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) de 2020, 6,7 milhões de jovens entre 16 e 32 anos vivem no meio rural brasileiro. Eles são agricultores(as) familiares, assentados(as) e acampados(as) da reforma agrária, indígenas, quilombolas, pescadores(as) artesanais, quebradeiras de coco, ribeirinhos(as), extrativistas e muitos outros.
E segundo dados do Censo Agro de 2017, apenas 251 mil jovens rurais têm o ensino superior completo.
Essa realidade pode ser enxergada a partir da dificuldade que a juventude rural enfrenta, não só para chegar à uma instituição, mas também de transitar e conciliar as realidades que vivem.
Não longe desses motivos, o mito de que as pessoas do campo tem a terra apenas como uma unidade de trabalho é recorrente, principalmente na cidade. Na verdade, os jovens camponeses se colocam na linha de frente dessa desmistificação. As atividades do campo são muito mais que algo ligado somente ao trabalho. A conexão com a natureza, a formação familiar, a produção de seus próprios alimentos e a proximidade com a comunidade são pontos essenciais de suas realidades.
Assim, quando jovens do campo acessam o ensino superior, eles carregam consigo valores inegociáveis. A chegada à universidade é feita muitas vezes a partir da superação de obstáculos geográficos e sociais. Por isso, para a juventude camponesa, o espaço acadêmico representa não apenas um meio de adquirir uma aprendizagem, mas também uma oportunidade de transcender as limitações e compartilhar o conhecimento popular.
Com essas realidades e vivências, a juventude camponesa que se torna universitária é um símbolo de esperança e renovação. Eles representam a possibilidade de um diálogo frutífero entre o saber popular e o acadêmico, e entre o rural e o urbano. Com um pé firmemente plantado em suas origens eles estendem a mão em direção a um futuro mais justo e sustentável, principalmente com uma relação de respeito com a natureza.
Camila Mikka
Camila Mikka é um exemplo de jovem do campo que acessou a universidade e continua levantando as bandeiras que representam a sua realidade. Ela faz parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Mikka é uma liderança da ala jovem e atua na linha de frente da comunicação do movimento em Goiás.
A jovem é estudante de licenciatura em educação do campo na Universidade de Brasília (UnB). De acordo com ela, o seu acesso à uma instituição de prestígio como a UnB é um motivo de orgulho, mas é, também, uma oportunidade pedagógica para mostrar a importância de movimentos sociais e de agricultores e camponeses ocuparem os espaços de ensino e as universidades.
“A gente começa a desmistificar que no campo a gente só trabalha e que não temos direito ao estudo. Assim a gente consegue avançar esses limites. Educação do campo é um direito e não é esmola. E não é esmola quando a gente fala dos nossos direitos, que temos a necessidade de ter pessoas qualificadas para atuarem na zona rural, tanto como atuam na cidade, é necessário ter profissionais de qualidade, é necessário que tenhamos apoio e também o poder de decidir se qualificar e atuar no campo”, explica.
Mesmo estando num curso de graduação importante, não só para a sua formação pessoal, mas também para a realidade que está inserida, Camila explica que não é uma tarefa fácil e o caminho é repleto de desafios, principalmente para conciliar as suas atuações.
“Estudar na UnB foi muito difícil, eu tive que fazer escolhas. As vezes eu tinha que passar mais tempo na cidade, porque o meu curso é em alternância. Eu ficava de dois a três meses na universidade, e para conseguir bolsa, eu ficava na cidade para conseguir fazer um projeto de extensão. Muitas vezes a gente não consegue terminar o ensino por causa dessas adversidades. A caneta acaba sendo um pouco mais pesada do que a enxada em alguns aspectos.”
Apesar das dificuldades que relata, Camila tem um objetivo bem definido. A sua formação e o conhecimento adquirido vai ser compartilhado com é o campo, com a sua comunidade e com o seu movimento.
“Eu pretendo contribuir com a minha realidade, que é através do MST, que é um acampamento em Formosa. Futuramente eu pretendo construir junto com a comunidade uma escola do campo onde eu possa dar aula de reforço e também se conseguir alguns projetos de extensão de universidades, institutos federais para o meu acampamento que será futuro assentamento. Além disso, ajudar as crianças e usar tudo o que eu aprendi na universidade, colocando em prática”, relata.
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