Sementes crioulas: espécies de milho, feijão, abóbora, refletem a biodiversidade brasileira

Por: Anna Francischini / Edição: Julia Oliveira

Sementes crioulas preservam a biodiversidade, geram renda e têm melhor adaptação às mudanças climáticas

  1. O que são sementes crioulas?
  2. O que é ser um guardião destas sementes?
  3. Quais os benefícios das sementes crioulas em comparação às transgênicas?
  4. Quais os desafios para escalonar o plantio a partir das sementes originárias?
  5. As sementes transgênicas realmente cumprem o seu papel de acabar com a fome?
  6. Sementes ou transgênicas? Qual a mais cara?

Milho preto, roxo, vermelho. Frutas maiores e mais doces. Leguminosas, batata e banana de diversas cores. O que a terra produz vai muito além da agricultura monocromática que consumimos. 

Também chamadas de ancestrais, originárias ou tradicionais, as sementes crioulas foram selecionadas e semeadas ao longo de gerações sem passar por alterações genéticas. O processo de preservá-las envolve o cultivo, seguido pelo armazenamento para cultivo no próximo ano.

Diferem-se das transgênicas que, modificadas, tiveram seu código genético (DNA) modificado em laboratório visando a redução dos custos e menor utilização de químicos. 

Guardião das sementes crioulas

Álan, 27 anos, é educador e consultor de sistemas agroflorestais a partir das sementes crioulas. Natural do Rio Grande do Sul, atualmente vive na cidade de Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros em Goiás e trabalha com consultoria e fornecimento de sementes crioulas para projetos familiares. Seu trabalho é focado na soberania alimentar a partir da conscientização. Guardião das sementes crioulas no Cerrado, ele conversou com o Nós do Mato sobre o que é ser protetor dessa ‘ancestralidade da agricultura’.  

Ao descrever o que é ser guardião, Álan conta que faz alguns anos que começou com o resgate delas, e que as próprias sementes foram mostrando e ensinando a ele o que é isso. 

Depois que começou com toda essa agricultura moderna, a gente perdeu cerca de 96% das espécies de cultivo, em 50 anos”. Assim, para ele este trabalho tem um papel fundamental para humanidade, porque hoje existe um problema muito grande de perda de biodiversidade alimentar. 

Nem sempre inserido neste meio rural, sua trajetória começou há alguns anos, quando mudou a sua alimentação buscando uma limpeza do corpo. Foi aí que conheceu as sementes tradicionais e os sistemas agroflorestais, começando a desenvolver o seu trabalho com a terra, que para ele, “vai além da preservação das espécies, mas também envolve o resgate e melhoria do solo. Não é apenas colher o que se planta, mas também formar florestas e beneficiar a todos”.

Sem terra própria, Álan arrenda espaços rurais onde pode se inserir e fazer o plantio, que é realizado por suas próprias mãos, sem a utilização de maquinários. 

“Meu trabalho é de pequena escala, mas já consegui espalhar sementes para todos os biomas do Brasil. Até agora foram 50 famílias beneficiadas com estas sementes”, diz orgulhosamente.

Benefícios das sementes crioulas

  1. Adaptação ao plantio em extremos climáticos:

Álan relata que durante uma estiagem mais prolongada em outubro do ano passado, ele conseguiu fazer o plantio de milho crioulo. Quando choveu, mesmo que de forma irregular e abaixo do necessário, as suas sementes ‘acordaram’ e a plantação durou 15 dias. Em contrapartida, outros agricultores plantaram de 3 a 4 vezes a roça e perderam tudo. O milho nascia e morria.

  1. Nutrientes

O guardião de sementes crioulas explica que os milhos de monocultura só têm 3 nutrientes, que é o nitrogênio, potássio e fósforo. Mas já foi comprovado, através dos estudos da pesquisadora Ana Primavesi, que uma planta necessita de mais 42 nutrientes para crescer saudável. Assim, tanto a questão da nutrição e da adaptação das sementes são “uma chave muito importante para soberania alimentar dos povos que se alimentam delas. Você vê uma genética forte, que passou milhares de anos se adaptando”, comenta ele

O escalonamento ainda é um desafio

Para Álan, a produção agrícola em escala maior a partir de sementes crioulas é muito viável. Porém, alguns desafios precisam ser resolvidos. Ele explica que o acesso às sementes estão hoje com pequenos agricultores e eles não têm acesso a grandes maquinários, grandes insumos e mão de obra. Além disso, algumas espécies são muito sensíveis e o manejo precisa ser adequado. A princípio, um dos caminhos seria um banco de sementes maior.

Um dos motivos para o uso e disseminação dos transgênicos é “acabar com a fome”, mas será isso verdade? 

Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM), ou transgênicos, foram desenvolvidos com a proposta de redução de custos para o produtor e também para o consumidor, além de maior resistência a agrotóxicos. Dominante no meio rural brasileiro, 92% da soja, 90% do milho e 47% do algodão são produzidos a partir de sementes modificadas e são destinadas à exportação.

Enquanto isso, as sementes crioulas são em maior parte cultivadas por agricultores familiares. E é este o  grupo responsável por abastecer o mercado interno com alimentos saudáveis e sustentáveis. Os pequenos agricultores também respondem por 40% da renda da população ativa e a dinamização econômica de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes, que representam 68% do total. Os dados são do 2º Anuário Estatístico da Agricultura Familiar, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).

Mesmo com tamanha relevância pelo alimento que chega ao prato dos brasileiros, a contaminação cruzada de grãos nativos pelas geneticamente modificados colocam em risco as pequenas lavouras e desta forma, a segurança alimentar do país. Isso porque, na cultura do milho, por exemplo, o grão pode chegar a polinizar até 3 km, segundo explica Álan. Assim, o desafio em relação ao plantio próximo das propriedades vizinhas que cultivam grãos transgênicos é grande.

Como consequência, “os agricultores precisam buscar lugares isolados, o que dificulta a mão de obra e o acesso a insumos. Ou tem que plantar nas entressafras e é mais difícil”, diz.

Sementes ou transgênicas? Qual a mais cara?

A diferença de custos entre lavouras que cultivam sementes transgênicas e crioulas também entra em pauta, uma vez que o primeiro tipo é mais caro do que o segundo. Isso acontece porque o produtor rural precisa pagar pela patente das modificadas. Outro ponto é que o mercado de biotecnologia é monopolizado por algumas empresas, e as mesmas que modificam as sementes, também produzem os agrotóxicos, das quais as culturas se tornam dependentes.

Por outro lado, além de mais baratas, as crioulas são mais resistentes a pragas e doenças por si só, reduzindo ou extinguindo a necessidade dos herbicidas, já que passaram por adaptação natural das espécies ao longo dos anos. 

Como consequência, se os agricultores familiares passarem a depender dos OGMs, o custo de produção pode aumentar. Com isso, a contaminação cruzada representa um risco não só para a economia e produtividade das pessoas do campo, como também para o bolso do consumidor.

Quer saber mais? Ouça o nosso podcast Nós do Mato com a entrevista completa e acesse também as publicações relacionadas aos sistemas agroflorestais.

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