Por: Eliel Dias, Geane Beserra e Maria Luiza Massulo / Edição: Júlia Oliveira e Willian Oliveira

Descumprimento do Código Florestal aumenta focos de incêndio e ameaça biodiversidade do Pantanal 

Conhecido por sua rica biodiversidade e vasta gama de espécies de plantas e animais, muitos deles nativos, o Pantanal tem enfrentado, ao longo dos anos, um grave e recorrente problema ambiental: as queimadas intensas. Este bioma continental, um dos mais importantes do Brasil, sofre influência direta da Mata Atlântica.

Com uma vegetação composta predominantemente por árvores retorcidas e gramíneas, o Pantanal é tradicionalmente visto pelos habitantes da região como uma área seca e adaptada para grandes queimadas, que podem acontecer de forma natural em determinadas épocas do ano. 

No entanto, a realidade é que o bioma em essência é uma imensa planície alagável, marcada por períodos bem definidos de seca e de cheia. Desta forma, ainda que os incêndios sejam normais durante a estiagem, o que se percebe atualmente com a degradação do Pantanal é uma intensa atividade humana como a principal causa da queimadas na região. 

Segundo o biólogo e diretor de comunicação e engajamento do Instituto SOS Pantanal, Gustavo Figueiroa, o bioma tem secado cada vez mais nas últimas décadas. Essa seca simboliza uma perda de aproximadamente 29% da superfície de água nos últimos 35 anos. “O Pantanal fica inundado durante uma parte do ano e seca na outra. Assim, os incêndios são normais, mas não nessa frequência e intensidade que a gente tem visto que está muito acima do que naturalmente acontece no Pantanal. Mais de 95% das queimadas são causadas pela ação humana”. 

Pantanal em chamas 

A conservação do bioma pantaneiro e do seu regime de chuvas está diretamente ligada a preservação dos planaltos que ficam em volta da planície. É na parte alta da bacia hidrográfica do Paraguai que nascem as águas que banham toda a região. De acordo com o estudo Monitoramento da Cobertura Vegetal e Uso do Solo da Bacia do Alto do Paraguai, publicado pela WWF Brasil em 2016, 55% das cabeceiras do Pantanal já tiveram suas vegetações nativas retiradas. 

Além disso, os pesquisadores do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ (LASA) conduziram uma extensa pesquisa sobre os incêndios na Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar (Rede Amolar). Baseando-se em dados dos últimos 11 anos, o estudo apontou que setembro marca o período mais crítico para incêndios no Pantanal. 

Contudo, dados disponibilizados pelo Programa de BDQueimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que nos primeiros seis meses do ano o Pantanal registrou 3.538 focos de queimadas. O número revela um aumento de quase 40% do registrado no mesmo período de 2020, ano recorde.

Código Florestal

O Código Florestal vigente é claro ao determinar as áreas de preservação permanentes (APPs) e estabelecer a conservação da vegetação nativa presente nessas regiões. O 10º artigo do código também regulamenta uma exploração ecologicamente sustentável dos recursos naturais presentes na planície pantaneira, o que deveria delimitar a atuação humana na área. 

O contínuo descumprimento do Código Florestal no Pantanal é um dos fatores que contribui para que o bioma se torne cada vez mais vulnerável aos incêndios que têm assolado a planície. 

De acordo com Marcelo Elvira, secretário executivo do Observatório do Código Florestal, o grande gargalo hoje para uma implementação mais efetiva deste código é a falta de uma visão qualificada do território florestal, devido ao baixo número de CARs (Cadastro Ambiental Rural) validados. 

Esse déficit não permite que haja um maior controle de onde estão localizadas as Reservas Legais, APPs, ou quais áreas estão em recuperação, ou apresentando problemas ambientais, o que dificulta que medidas legais possam ser tomadas e políticas públicas sejam melhor desenvolvidas.

O uso do fogo na região do Pantanal pelos produtores rurais acontece de forma histórica. O principal intuito é limpar grandes áreas de vegetação nativa para abertura de novos pastos para a criação de gado ou para o exercício da agricultura. De acordo com Sérgio Barreto, biólogo do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), essa prática representa uma habilidade dos pantaneiros.

Além disso, a ação e é vista como uma ferramenta de trabalho. No entanto, ela pode ter sérias consequências ambientais quando perde-se o controle das chamas e as queimadas se tornam um incêndio florestal. “A fumaça gera um problema de saúde pública para toda a população quando os incêndios estão próximos de comunidades tradicionais e cidades, além disso, os incêndios impactam a biodiversidade da região”.

Biodiversidade 

No Pantanal, as queimadas desencadeiam uma crise ambiental alarmante, resultando na perda da biodiversidade local. A bióloga doutora em Ecologia Grasiela Porfírio e o médico-veterinário Diego Viana, ambos do IHP, participaram de um estudo para identificar dados relacionados à perda de habitat para animais mamíferos, confira a seguir: 

Onça-pintada

A variação percentual no uso de habitat para onças entre o Ano 1 e o Ano 3 é aproximadamente 91,60%. Isso indica um aumento significativo no uso de habitat por jaguares nesse período. A variação percentual na densidade de onças entre o Ano 1 e o Ano 3 foi de aproximadamente -7,14%. Este resultado sugere uma ligeira diminuição na densidade de jaguares ao longo do período estudado, embora a variação não seja considerada significativa no contexto do estudo. 

Puma

A variação percentual no uso de habitat por pumas entre o Ano 1 (pré-incêndio) e o Ano 3 foi de aproximadamente -9,36%. Isso indica uma redução modesta no uso de habitat por pumas ao longo desse período.

Jaguatirica

A variação percentual na ocupação de habitat por jaguatiricas entre o Ano 1 e o Ano 3 foi de aproximadamente -10,80%. Isso indica uma diminuição significativa na ocupação de habitat por esses animais durante o período estudado.

Ocelotes

A variação percentual na densidade de ocelotes entre o Ano 1 e o Ano 3 foi de aproximadamente 16,67%. Isso ndica um aumento leve na densidade dessa espécie. Por outro lado, o (home range) para ocelotes diminuiu cerca de 40% entre o ano antes dos incêndios e o Ano 3. Isso sugere uma redução significativa no espaço utilizado pela espécie, possivelmente devido às alterações no ambiente pós-incêndio.

Anta

A variação percentual no uso de habitat por antas das terras baixas entre o Ano 1 e o Ano 3 foi de aproximadamente -9,84%. Isso indica uma redução no uso de habitat por esses animais ao longo do período estudado.

Veado Mateiro 

A ocupação diminuiu aproximadamente 15,09%.

Queixada 

O uso de habitat declinou cerca de 23,35%.

Tatu-canastra 

A ocupação teve uma queda abrupta de aproximadamente 82,37%. 

Cutia

A variação percentual na ocupação do habitat por cutias entre o Ano 1 e o Ano 3 foi de aproximadamente -37,47%. Isso indica uma diminuição significativa na ocupação do habitat por essa espécie durante o período estudado após os incêndios. 

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