Por: Anna Francischini / Edição: Júlia Oliveira
Mudanças climáticas, crise do clima ou aquecimento global. São vários os termos utilizados para se referir ao problema que antes se pensava no futuro e agora se faz cada vez mais presente nas cidades e no campo. Além da população de menor renda, os pequenos e médios produtores rurais são os mais afetados. Isso porque eles dispõem de menos recursos para mitigar chuvas devastadoras, utilizar sistemas de irrigação avançados ou contratar seguros agrícolas.
As recentes chuvas no Rio Grande do Sul (RS) são um exemplo claro do problema. A água que tomou quase todo o estado causou mais de 179 mortos, centenas de feridos e milhares de desabrigados. No âmbito rural, mais de 206 mil propriedades foram afetadas. 19.190 famílias perderam estruturas como casas, galpões e silos. Cerca de 200 agroindústrias familiares foram prejudicadas.
Mas não é um episódio isolado. Catástrofes e adversidades relacionadas ao clima podem ser observadas, por exemplo, com a escassez de chuvas, períodos de seca mais prolongados e também chuvas intensas.
No meio urbano, algumas dessas consequências se traduzem em alagamentos, deslizamento de terra, baixa qualidade do ar e necessidade de racionamento de água. Da mesma forma ocorre no campo, porém a diferença é que aqueles que exercem atividades relacionadas à terra, como a agricultura, têm a sua fonte de renda diretamente prejudicada.
Redução da produtividade
As lavouras de junho, por exemplo, tiveram diferentes culturas prejudicadas devido à adversidades no clima. É o que mostra o 10º levantamento de safra 2023/24 produzido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e divulgado no último dia 11.
Foi o caso da 1ª e 2ª safra de milho. A irregularidade das chuvas e as altas temperaturas durante o desenvolvimento da cultura levou a redução da produtividade. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, a falta de precipitações prejudicou o potencial produtivo das lavouras.
Já o feijão, alimento essencial no prato do brasileiro, embora tenha apresentado um aumento geral de 7,6%, teve uma redução nas variedades de feijão-comum cores, o carioca e também do feijão preto. O recuo foi de 7,6% ou 42,2 mil toneladas, e 9,4% ou 55,4 mil toneladas, respectivamente.
Na 2ª safra do grão comum, a falta de chuvas e altas temperaturas, além de questões fitossanitárias, reduziram a produtividade média estimada no Paraná. Em Minas Gerais, no caso das lavouras mais tardias, a redução da safra está relacionada com a restrição hídrica causada pela estiagem. Os dois estados são respectivamente os maiores produtores de feijão do país.
Mas a culpa não é do El Niño?
O El Niño, fenômeno que aquece as águas do Oceano Pacífico causando chuvas acima do esperado e ondas de calor, é frequentemente apontado como responsável por eventos climáticos anormais no país. Entretanto, as mudanças nos padrões do clima têm intensificado seus efeitos.
Enquanto o El Niño é um fenômeno natural, já esperado em intervalos de dois a sete anos, as mudanças no clima são um aumento gradual da temperatura da terra e que aquece os oceanos. Cientistas apontam que esse aquecimento das águas causado pelo chamado ‘aquecimento global’ fará com que fenômenos como o El Niño, que também aquece o oceano, se tornem mais intensos e mais frequentes.
Essas alterações que intensificam o El Niño ocorrem mundialmente por várias causas. No Brasil, a principal é a derrubada de áreas florestais. Isso porque, as árvores armazenam gás carbônico, que quando vai para atmosfera cria uma película, que funciona como uma garrafa térmica.
Uso do solo
Mas se o agricultor precisa produzir, tanto para renda própria como para alimentar o país, o que ele pode fazer? O papel do produtor rural aqui é de extrema relevância. Isso porque ele pode promover ações que reduzem os impactos das mudanças climáticas a curto, médio e longo prazo.
A adoção de práticas agroecológicas é um dos caminhos para isso, já que elas são responsáveis por importantes mudanças como a descontaminação e a mudança da exposição do solo.
O sistema orgânico de produção também é um deles. Além de otimizar o uso dos recursos naturais e socioeconômicos, também preserva a cultura das comunidades rurais sem fazer o uso de produtos químicos ou agrotóxicos.
Preservar, restaurar e produzir
Para alinhar a produtividade agrícola com a preservação da vegetação nativa existente nos imóveis rurais de todo país, o Código Florestal define a preservação de algumas áreas, como a Reserva Legal (RL) e as Áreas de Preservação Permanente (APPs).
A preservação de uma porcentagem de vegetação nativa nas propriedades rurais varia de acordo com o bioma e contribui com a regulação do clima e com a preservação de recursos naturais essenciais à produção, como a água. Já as APPs, além de proteger as florestas nas beiras de rio, evitam a poluição, assoreamento e desastres como deslizamento de terra.
Se o proprietário não tiver em seu imóvel a vegetação nativa nas APPs ou o percentual exigido de áreas preservadas com RL ele precisará fazer a restauração e aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Hoje, no Brasil, há uma área equivalente ao tamanho do Uruguai, ou 19 milhões de hectares de floresta a ser restaurada.
Ainda é possível recuperar esse déficit, gerando lucro. Através do manejo florestal sustentável e dos sistemas agroflorestais (SAFs), práticas importantes para a promoção da agricultura sustentável, por exemplo.
Um exemplo é o manejo madeireiro, que inclui etapas como um planejamento detalhado de como a exploração será realizada, as técnicas de corte das vegetações, as áreas de preservação e também as estratégias de regeneração.
No caso da agrofloresta, o sistema é uma forma de uso da terra integrando o cultivo de árvores com espécies agrícolas em uma mesma área. O benefício é que a partir da sinergia entre os diferentes componentes a produtividade acaba sendo maior.